Histórias de Moradores de Belo Horizonte

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da cidade de Belo Horizonte.


História do Morador: Carlos Sant’Anna
Local:
Minas Gerais

Tema: Negócios internacionais

Sinopse

Carlos nos conta sobre sua infância em Belo Horizonte e Juiz de Fora, sua migração para o Rio de Janeiro, a vida na Faculdade Nacional de Filosofia, o trabalho no IBGE, a entrada na Petrobrás em 1958. Fala do regime militar e a perseguição política que sofreu após o golpe. Discorre sobre o cotidiano do trabalho na empresa,o setor de comunicação e negócios, a área de relações internacionais (Interbras e Braspetro) e estratégias de marketing. Fala de seu período como presidente da Petrobrás no fim dos anos 80, sua relação com os sindicatos e sua aposentadoria, em 1990.

História:

Meu nome é Carlos Sant’Anna, nasci em Minas Gerais, Belo Horizonte, no dia 11 de agosto de 1930.

FAMÍLIA

Meu pai se chamava Jorge Firmino de Sant’Anna. Minha mãe se chamava Maria Romana de Sant’Anna. O nome dos meus avós maternos - eu só me lembro do meu avô materno, só o primeiro nome que eu me lembro dele: era Antônio. Agora, da minha avó, acho que era Ana, materna. Eles eram aqui do Brasil e moravam em Juiz de Fora. Minha mãe nasceu em Juiz de Fora. Meu pai nasceu em Ouro Preto, depois morou muito tempo em Belo Horizonte e depois mudou-se para Juiz de Fora. Com o nome dos meus avós paternos acontece o mesmo problema - faz tanto tempo que eu não me lembro o nome dos meus avós.

MIGRAÇÃO

Eu morei nove anos em Belo Horizonte e em 1939 mudei para Juiz de Fora e lá permaneci até 1959.

CIDADE

Vim para Juiz de Fora com nove anos - comecei o primário em Belo Horizonte. Eu não tenho muitas recordações de Belo Horizonte; eu saí de lá com 9 anos.

EDUCAÇÃO

Praticamente o meu primário todo eu fiz em Juiz de Fora. O primário e o ginásio - naquela época chamava-se científico - foram feitos em Juiz de Fora.

FAMÍLIA

Meu pai entrou como soldado da Força Pública - naquela época chamava-se Força Pública de Minas Gerais - e quando saiu ele foi reformado no cargo de major. Meu pai era um autodidata.

Quando ele entrou na Força Pública praticamente ele era um analfabeto, não fez nenhum curso, mas depois aprendeu a ler, a escrever e se dedicou até a escrever para jornais. E durante muito tempo, até o fim da vida dele, já reformado, aposentado, ele se dedicou à língua esperanto. Sempre era um ideal - naquela época o esperanto seria a língua universal, ele alimentou durante muito tempo esse ideal, se correspondia com o mundo inteiro pelo esperanto. Ensinou em casa, mas é como se diz: santo de casa não faz milagre, todos tiveram regimento de esperanto, mas ninguém se transformou em esperantista.

CASA

Minha casa. Nós vivemos praticamente com umas quatro casas. Nós pagávamos aluguel, o meu pai tinha um rendimento salarial que não era muito grande, como aposentado, então nessa época, para sustentar seis filhos não era fácil não. Então, para pagar aluguel e alimentação às vezes a gente não conseguia, às vezes a família não conseguia, meu pai não conseguia, e tínhamos que mudar para bairros onde o aluguel era mais barato.

TRABALHO

Houve uma época na nossa vida que tivemos que começar a trabalhar. No colégio onde eu estudava, em Juiz de Fora, Instituto Granbery, além de estudar fazendo o curso ginasial e científico eu trabalhava no colégio. Inclusive trabalhava como professor de ginástica, inspetor dos alunos do internato, para ajudar meus pais. Um dos irmãos também começou a estudar e a trabalhar num escritório de contabilidade, e o irmão mais novo, que é o poeta Afonso Romano de Sant’Anna, ele logo cedo começou escrevendo para jornais, e no fim a família toda teve que se virar para se sustentar. Eu comecei a trabalhar com 16 anos, 16, 17 anos.

INFÂNCIA

Eu fui um moleque de rua, porque numa cidade do interior - embora Juiz de Fora fosse a segunda maior cidade de Minas - a liberdade era total, então a infância era praticamente vivida nas ruas. E a minha família também era de origem, por parte de mãe, italiana, então tínhamos famílias que conviviam conosco e tínhamos colegas e passávamos grande parte da vida brincando na rua. Por outro lado, também por parte de mãe e de pai, a formação - a formação religiosa deles - era formação protestante, eles eram metodistas, e a comunidade evangélica metodista era muito forte. Então a nossa vida era colégio, era a igreja, era a rua, quer dizer, acho que era uma vida bastante livre, bastante festa, com 10, 12, 14 anos. Brincadeira é que a gente freqüentava rios e freqüentava também piscinas, nessas freqüências de você nadar em rios, sempre tinha sensações muito boas de você sair de casa e se embrenhar nas matas, para nadar. E às vezes você ia para piscinas longe da cidade, e tudo isso era feito em grupos. Havia assim sensações um pouco fortes para a época.

Eu me lembro de uma vez - uma dessas idas à piscina - um dos nossos colegas mergulhou e quebrou praticamente aqui a fronte, a testa. Sangrou; tivemos que levá-lo ao hospital. Na época foi momento de tensão para garotos de 14, 15 anos, ter que socorrer um colega que tinha se acidentado numa piscina. Mas era uma época - coisa que você não vê mais, hoje vive em apartamentos e condomínios -, essa liberdade total. E como eram cinco irmãos, então todos eles mais ou menos nesse tipo de atividade. A minha ligação com o esporte começou quando eu tinha 15, 16 anos, porque o colégio lá da cidade onde eu morava, em Juiz de Fora, o colégio principal, cujo nome era Granbery, ele era quase uma universidade americana, porque ele tinha campos de esportes, campo de futebol, campo de vôlei, de tênis, tinha piscina. Então o estudante era muito estimulado para exercícios.

Como eu não tinha muita vocação para jogar futebol, eu me dediquei à atividade atletismo. Além da corrida - eu sempre gostei muito de correr; pratiquei corrida de 800 metros, 1.500 metros, 5.000 metros, isso dentro do colégio -, também saltos de vara, me transformando, até como eu disse anteriormente, num professor de ginástica dos meus colegas. Então eu diria assim que nos meus 14, 15 anos comecei essa minha identidade com o esporte, e essa identidade foi durante a minha vida toda, até hoje, aqui no Rio de Janeiro - na década de 80, no princípio da década de 80, inclusive, eu corri duas maratonas. Uma delas eu consegui chegar até o final; uma outra eu consegui 70%, isso na Petrobras. E também tinha como rotina, como tenho até hoje, pela manhã, sempre - eu moro na zona sul em Ipanema -, ir para a praia correr. Hoje eu não corro com essa fúria toda, hoje eu ando metade e metade eu corro.

Essa minha ligação com o esporte foi resultado da minha vida em Juiz de Fora, que estimulava esse tipo de esporte. Granbery, chamava-se e chama-se até hoje Instituto Granbery...Que é metodista, que foi criado pelos americanos em Juiz de Fora, toda formação metodista. Vários reitores, em princípio, eram americanos; os reitores hoje são brasileiros, mas era uma formação tipo universidade. De um lado a formação com o esporte, de outro lado a formação com a música - que isso já advém da religião,;você sabe que o protestante, o evangélico, ele tem uma ligação muito forte com a música, porque se canta o tempo todo. Na cerimônia, chamada culto, sempre se cantam três, quatro, cinco hinos - então esses hinos ficam na sua memória o tempo todo. E alguns desses hinos, a música foi composta por compositores famosos. Tem música de Bach, tem música de Hendel. Então você canta às vezes o hino e está cantando uma cantata de Bach.

Esse tipo de ligação - eu tenho uma ligação muito forte com a música - adveio da igreja metodista, e a ligação com o esporte também foi com o colégio metodista, que tinha uma atividade esportiva muito intensa. Eu acho que o colégio era mais direcionado para uma cultura humanística, porque inclusive desenvolvia uma série de atividades que naquela época eram chamados grêmios; desses grêmios você era impulsionado para escrever, você era impulsionado para escrever, para ter contato com a poesia. Tinha lá inclusive nesse colégio uma professora dedicada ao teatro, inclusive durante todo o ano havia peças encenadas no colégio. Então o colégio não tinha só o problema do currículo do ensino, mas também desenvolvia uma série de atividades que fazia você se tornar um ser humano mais completo.

SONHO

Quando eu vim para o Rio de Janeiro eu vim decidido a entrar na escola de medicina, mas naquela época medicina não tinha curso noturno. Eu cheguei aqui em 1950 e eu cheguei até a fazer um curso pré-vestibular para fazer medicina, mas aí, como não podia estudar à noite - eu teria que me sustentar - então eu tive que abandonar esse sonho de medicina e comecei a trabalhar.

TRABALHO

Eu trabalhava lá no Serviço Nacional de Recenseamento, depois no IBGE. Depois de trabalhar eu tinha muito contato com pessoal da área de jornal. O meu irmão, naquela época -o escritor e poeta Afonso Romano Sant’Anna -, já tinha também muita amizade aqui no Rio de Janeiro. Quer dizer, a história sempre me fascinou bastante, como na antiga Faculdade Nacional de Filosofia os cursos eram juntos, geografia e história, eu acabei fazendo geografia e história ao mesmo tempo. Estava trabalhando ao fazer o curso de geografia e história; não me impossibilitava de trabalhar - o que seria impossível era cursar uma faculdade de medicina ou de engenharia, hoje você pode fazer tudo isso, mas naquela época não, era impossível.

EDUCAÇÃO

O fato de eu fazer geografia e história não significa que eu tivesse uma vocação para ser professor. Foi a circunstância da época que me levou a fazer esse curso. E depois que eu fiz esse curso eu cheguei a lecionar 1 ano, 1 ano e meio, mas depois - aí caímos naquele esquema em que os professores, até hoje, em que a compensação financeira não é das mais compensadoras. Foi nessa época então que eu acabei fazendo o concurso para a Petrobras, e fiquei na Petrobras o resto da minha vida, mas eu fui empurrado para geografia e história.

ADOLESCÊNCIA

A juventude... Nessa época, em Juiz de Fora, alguém ter carro - eram pessoas ricas a ter carro. Juiz de Fora, não sei se você sabe, tinha bonde - hoje eu falo em bonde, aqui ninguém sabe o que é bonde, o Rio de Janeiro ainda tem bonde em Santa Tereza -, você ia para o colégio ou ia para o centro da cidade de bonde. A juventude naquela época era mais ligada às atividades do colégio; o colégio é onde você se expandia tanto na área esportiva como na área cultural, e ainda havia esse binômio colégio-igreja. Quer dizer, naquela época também não tinha motel; até para namorar era muito restritivo, você tinha uma vida que você tinha que conviver com os seus colegas. E numa fase em que numa cidade grande você tem mais alternativas, numa cidade pequena você tem que colocar a sua libido nessas atividades escolares.

E tinha muito dessas turmas - jovem tem turmas de quatro, cinco pessoas. Essas turmas, inclusive depois que você sai de lá e vem para o Rio de Janeiro, até hoje você tem contato com amigos cuja amizade começou lá em Juiz de Fora. Havia um entrosamento muito forte de amizades, de amigos. Do colégio, principalmente do colégio. O colégio era praticamente período integral, porque você tinha uma parte da manhã dedicada ao estudo, e a tarde era dedicada às atividades esportivas e culturais - praticamente você ficava a sua vida, era o tempo todo no colégio.

MIGRAÇÃO

Vir para o Rio de Janeiro foi um ato de coragem, eu vir para cá - eu não tinha emprego garantido, eu praticamente não tinha dinheiro, eu me lembro que meu pai me deu uma certa quantia, mas não daria para permanecer nem mais de 1 mês aqui no Rio de Janeiro. Como um dos colegas meus que moravam em Juiz de Fora tinha um tio que morava aqui no Rio de Janeiro, então praticamente vim com a cara e a coragem, sem lenço e sem documento. Cheguei aqui, me hospedei durante algum tempo na casa do tio desse meu colega e passei praticamente 1 mês, 1 mês e meio procurando emprego.

TRABALHO

O meu primeiro emprego foi praticamente boy de um escritório de advocacia. Como eu morava na casa do tio desse meu colega e me incomodava ficar lá como favor, eu fui adotar um esquema um pouco complicado que era dormir no consultório de um dentista - trabalhava num escritório de advocacia e dormia num consultório de um dentista e 8 horas da manhã eu tinha que sair, porque era a hora desse dentista, que era tio desse meu colega. E durante 2, 3 meses foi escritório de advocacia como boy e dormir no consultório de dentista. Esse escritório era ali na rua Assembléia, ali na esquina da rua Assembléia com a Rio Branco, nem sei se existe mais. Agora, depois disso eu fiquei à caça de um emprego, um emprego sério que me possibilitava viver com um certo conforto. Foi esse concurso que eu fiz para recenseador do IBGE, então o Serviço Nacional de Recenseamento. Na década de 50, foi o primeiro licenciamento - eu participei como recenseador. Como recenseador eu tive um salário mais digno e pude alugar um quarto.

Depois desse salário - primeiro o Serviço Nacional de Recenseamento era ligado ao IBGE; depois, do Serviço Nacional de Recenseamento eu passei a ser funcionário do IBGE, estatístico do Instituto da Rede de Geografia e Estatística, que era ali na avenida Presidente Roosevelt. E no IBGE eu fiquei praticamente até quando eu ingressei na Petrobras, em 1958. Quer dizer, no IBGE eu trabalhava e estudava na Faculdade Nacional de Filosofia, fazendo curso de geografia e história. Esse era uma parte à tarde, mas como o IBGE e a faculdade - porque a Faculdade Nacional de Filosofia é ali na avenida Presidente Antônio Carlos e o IBGE era na avenida Presidente Roosevelt - eram praticamente vizinhos, então eu trabalhava até às 4 horas lá no IBGE e fazia o curso à tarde na Faculdade Nacional de Filosofia.

CIDADE

Esse Rio na década de 50 era um Rio muito bom de viver, porque não tinha praticamente preocupação nenhuma, praticamente não existia violência. Você freqüentava praias, você ia a clubes. É diferente hoje o Rio de Janeiro: você não tem condições de freqüentar clubes, até para ir ao cinema à noite já é difícil; imagina freqüentar clubes. Mas o Rio de Janeiro propiciava segurança. Você podia participar de várias atividades sem temer nenhum tipo de violência, e a atividade na faculdade também era muito intensa, no curso de geografia e história você conhecia pessoas e professores que eram praticamente o estilo para você continuar batalhando pela vida. Quer dizer, o Rio de Janeiro sempre foi um local - você morando na zona sul e eu trabalhando na cidade, mas isso dava sempre uma sensação de prazer por estar morando no Rio de Janeiro.

EDUCAÇÃO

Eu tinha uma professora de história na faculdade, muito conhecida, que se chamava Maria Ieda Linhares, que até me chamou pra ser assistente dela. Foi uma professora que marcou bastante, foi uma professora de história - sobretudo história moderna -, uma professora de história que formou vários professores posteriormente e depois ela foi para a França, foi lecionar lá em Toulouse. Tinha uma carreira brilhante essa professora de história, foi uma professora que me marcou profundamente. Hoje ela se aposentou, mas foi muito conceituada na época.

CASAMENTO

Eu me formei e ao mesmo tempo eu conheci minha mulher na faculdade, foi em 1958. Terminei o curso em 58, e minha mulher terminou em 57, 58, 57. Aí eu comecei a namorar; em 58, a noivar - aí eu verifiquei que o salário de professor não ia dar muito não.

INGRESSO NA PETROBRAS

Estava no IBGE, mais aulas que eu dava na zona sul. Eu cheguei à conclusão que eu tinha que iniciar uma nova empreitada para ganhar mais dinheiro. Foi nessa época que um colega meu do IBGE - ele tinha uma pessoa na Petrobras, chefe do departamento na Petrobras - estava fazendo uma pesquisa no mercado sobre produtos de petróleo, sobretudo solventes, e estava recrutando pessoas para fazer essa pesquisa no Rio e em São Paulo, e ele tinha dito: “Você não quer aproveitar para fazer essa pesquisa junto comigo?”. Então, junto com ele, eu fiz essa pesquisa, e foi apresentada à Petrobras. E lá, o chefe na época gostou da pesquisa e me perguntou se eu gostaria de trabalhar na Petrobras. Bom, pelo convite que foi feito e pelo salário que foi oferecido eu aceitei, mas aí ele me disse: “Para você entrar na Petrobras você vai ter que fazer um concurso. A sua opção é a seguinte, eu vou te fazer um contrato aqui na Petrobras” - nessa época eu já tava ficando noivo -, “Agora se você daqui a 6, 7 meses, que nós vamos fazer o concurso e se você não passar no concurso, aí você vai ter que sair”.

Aí eu tive que realmente arriscar, eu tive que entrar com um contrato provisório 6, 7 meses. Depois eu fiz o concurso, pode imaginar a minha intranqüilidade ao fazer esse concurso? Porque se eu fosse desclassificado eu tinha que sair da empresa e falar com a minha noiva que ela tinha que esperar mais tempo. Porque ela também se formou em geografia e depois foi professora do Fundão durante muito tempo. Fiquei naquela intranqüilidade durante 6 meses, felizmente passei no concurso, então aí, depois de passado o concurso - isso foi em princípio de 1958 - fiquei na Petrobras. A minha vida virou totalmente, e permaneci na Petrobras durante 35 anos.

EMPRESA

A Petrobras herdou, eu diria assim, os técnicos e profissionais do Conselho Nacional do Petróleo - que praticamente iniciou as primeiras atividades na área de petróleo no Brasil, sobretudo lá na Bahia, quando a Petrobras foi criada naquela campanha enorme “O Petróleo é Nosso”. Os quadros da Petrobras foram criados em parte do Conselho Nacional do Petróleo e parte de pessoas que vieram de alguns segmentos da área do governo, inclusive muitos profissionais vieram do IBGE, Conselho Nacional do Petróleo. A empresa nessa época de 58 tinha uma sede que era na Candelária, no edifício 119 - praça da Candelária, 119.

Ali que estava a diretoria, então são três andares, a diretoria que se situava naquele prédio, e tinha outros departamentos que se situavam naquela mesma área, ali perto da Presidente Vargas. Tinha três, quatro cinco prédios com alguns andares - a Petrobras era toda diversificada, toda espalhada naquela avenida Presidente Vargas e na praça Candelária. E realmente era um punhado de gente muito idealista, porque sabia também que ali estava sendo gerada uma das grandes forças propulsoras desse país. Mas nessa época não se tinha noção do que podia ser a Petrobras, que começou a atuar principalmente lá na Bahia, com a produção de petróleo muito timidamente, e lá na Refinaria de Presidente Bernardes, em Cubatão.

A Petrobras se resumia a Presidente Bernardes, em Cubatão, à produção de óleo pequena na Bahia e à Refinaria em Mataripe - isso era a Petrobras naquela época. Ela era vista como uma boa empregadora, pagava bons salários - porque primeiro tinha esse comportamento das pessoas que ingressavam na Petrobras terem que fazer um concurso, então não havia condições de você ingressar na base de apaniguado. Depois, claro, houve alguns períodos da Petrobras em que começou a ingressar sem concurso. Então havia uma seleção das pessoas pela qualificação dessas pessoas, e isso foi um dos sucessos da empresa, quer dizer, o empregado era selecionado através das classificações dos concursos.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Como eu tinha feito essa pesquisa, que era para a área comercial, então eu acabei ficando dentro da área comercial. A Petrobras, na área comercial, ela criou - naquela época nem tinha departamento - um escritório chamado Escritório de Comercialização de Petróleo e Derivados, cuja a sigla seria Ecop. Então nesse escritório de petróleo e derivados eu comecei a trabalhar - isso foi em 58 -; esse escritório de petróleo e derivados era responsável pela compra de petróleo para suprir a Refinaria de Cubatão. Eu diria que até em 63 a Petrobras comprava esse petróleo para sua refinaria, e em 63 veio o decreto que conferiu à Petrobras o monopólio de compra de petróleo. Quando a Petrobras foi fundada existia Petrobras e praticamente três refinarias, quatro refinarias, ou cinco, particulares. Tinha uma refinaria em Manaus, que era uma refinaria particular; tinha uma refinaria em São Paulo, Capuava, que era uma refinaria particular; tinha outra refinaria aqui no Rio de Janeiro, que era a Refinaria de Manguinhos, particular também, e uma refinaria lá no Rio Grande do Sul, refinaria Ipiranga. Todas essas eram refinarias privadas. A Petrobras é que comprava o petróleo para elas –foi no governo do presidente Jango Goulart; esse decreto conferiu à Petrobras o monopólio da compra de petróleo.

A partir do fim de 63 a compra de petróleo, seja para a Petrobras, seja para empresas privadas, passou a ser feita pela Petrobras - quer dizer, foi uma mudança radical. A partir daí foi um desafio, nessa época eu estava trabalhando nesse escritório, e o governo jogou na Petrobras toda essa atividade de compra de petróleo. E esse escritório de compra de petróleo e derivados foi que dentro da Petrobras fez toda essa atividade. Então foi realmente uma mudança radical, mas logo depois de 63 veio a revolução; com a revolução militar houve uma transformação total, e aí depois esse escritório passou a ser departamento. Foi muito complicado, porque nessa época eu já era o chefe do escritório de petróleo e derivados, então o fato da Petrobras comprar petróleo das refinarias particulares dava muita reação.

Em 63, já chegando em 64 - aliás antes disso: em 62 tinha um presidente da Petrobras que se chamava Francisco Mangabeira, já falecido; ele decidiu que a Petrobras, além de comprar petróleo, tinha que vender derivados diretamente para os órgãos do governo, principalmente para a Marinha. Criou uma celeuma enorme,. Naquela época se dizia que a Petrobras não tinha que se meter na direção de derivados, isso aí era um setor que já tinha as multinacionais no circuito, para que se meter? Mas ele tomou essa decisão, e a Petrobras realmente vendeu óleo combustível à Marinha de Guerra.

Criou um escândalo enorme, dentro da empresa houve reação, achando que a Petrobras não podia se desviar dos seus objetivos, imagine só vender óleo combustível para a Marinha! Depois, na época do Francisco Mangabeira, por influência dele, o Conselho Nacional de Petróleo autorizou a Petrobras a vender óleo combustível e óleo diesel a todos os órgãos do governo. Quer dizer, a atividade de distribuição começou assim, e eu estava nessa época nesse escritório, quando veio o golpe militar; então os militares da época achavam que eu era um elemento perigoso da esquerda e eu fui preso, fiquei praticamente dez dias... Fiquei preso uma semana - naquela época chamava-se Dops, aqui na rua da Relação, depois houve upgrade da minha prisão e eu fui para a Ilha das Flores e fiquei lá mais uma semana.

E só sai de lá porque um colega meu, lá de Juiz de Fora, nessa época ele era assessor do governador Carlos Lacerda. Fui preso, minha mulher viu que eu não chegava em casa naquele ambiente 31 de março - eu falei para minha mulher: “Vou ter que trabalhar”. “Você é maluco, o país todo condicionado você vai trabalhar o quê!” “Não, porque tem um navio da Venezuela que tem que embarcar; eu tenho que ir lá” - e quando eu fui entrando na Petrobras, ali na Candelária- inclusive com alguns colegas da Petrobras -, chegou o Dops lá - e me colocaram lá no camburão. Aí eu fui embora, aí minha mulher viu que eu não chegava em casa e resolveu procurar esse meu amigo, que era assessor do governador Carlos Lacerda.. Ele deu um jeito lá para saber onde eu estava. Ele descobriu que eu estava na Ilha das Flores, e o delegado foi me apanhar lá na Ilha das Flores.

Os meus colegas ficaram lá mais 2 meses; eu fui libertado ocasionalmente por causa das amizades que eu tinha. Mas voltar para a Petrobras foi outro problema seriíssimo: “Como um elemento desses, de esquerda, volta para a empresa?” Mas o meu chefe na época, que me conhecia, que me fez ingressar na Petrobras, ele enfrentou lá os militares da época e disse que eu iria continuar trabalhando lá, que ele me conhecia, me deu todo aval e eu fiquei praticamente uns meses - quando eu voltei eu tive que ir para a casa de uma tia da minha mulher, porque eles iam me prender outra vez.

A acusação que existia é que na época se dizia que a Petrobras era um ninho de comunista - tanto é que eu entrei no Dops, não falaram nada, não perguntaram nada, me soltaram porque houve essa interferência, nessas horas aparecem vários inimigos e começam a dizer coisas. Quando eu voltei, ainda queriam me apanhar outra vez, passei duas semanas foragido e depois quando eu voltei esse chefe: “Não, você vai ficar aqui.

Eu vou enfrentar aqui a reação”. E lá eu fiquei, continuei lá. Aí depois, em 64 houve uma reformulação, esse Ecop passou a ser uma superintendência, aí passou a ser o Departamento Comercial, com o nome de Decom - Departamento Comercial. Com o Departamento Comercial eu passei a ser - eu diria assim, até 68, sei lá, passei a ser assessoria - uma assessoria que se reportava diretamente ao chefe do escritório da compra de petróleo e derivados, Assessoria Técnica da compra de petróleo e derivados. Fiquei até 67, 68. Esse chefe chamava-se Emerson Serbeto de Barros, hoje já falecido. Ele conflitou com a diretoria da empresa e saiu, e pouco tempo depois eu passei a ser o superintendente do Departamento Comercial, já aí em 68, mais ou menos.

RELAÇÕES COM O GOVERNO

Realmente, eu, em relação à Petrobras, no regime militar, eu não sei como, mas as pessoas que atuaram na Petrobras - os presidentes da Petrobras tiveram muita sorte, eu diria, porque quando o regime militar tomou o poder, o presidente da Petrobras naquela época, chamado marechal Albino Silva, logo que chegou a revolução, ele foi afastado.

Ele não era um revolucionário, e a diretoria da Petrobras também tinha outros, muitos militares - inclusive a Diretoria Comercial era dirigida por um militar. Quando o marechal Albino saiu, depois de muita confusão, subiu um outro marechal, chamado Ademar de Queirós. Esse marechal Ademar de Queirós realmente ele era uma pessoa de muito bom-senso, conseguiu acalmar os ânimos, sobretudo dos radicais enfurecidos achando que a Petrobras era um ninho de comunista. Chegou a uma conclusão de que não tinha comunista nem ninho - isso se deve a esse marechal Ademar de Queirós. No fim ele ficou na empresa acho que 2 ou 3 anos.

Depois desse marechal vieram outros presidentes todos militares: marechal Levy Cardoso, depois acho que teve mais dois generais, mas o ponto alto foi o general Ernesto Geisel, que assumiu a Presidência da Petrobras mais ou menos em 68 e depois passou a ser presidente do país em 74. Com a Presidência da Petrobras com o general Ernesto Geisel houve uma transformação completa. Embora militar ele tinha uma visão empresarial muito lúcida e levou para diretor um diretor que era da área privada, o seu Shigeaki Ueki - que o pessoal sempre apelidava que era o japonesinho do Geisel.

Mas japonesinho do Geisel ou não, ele foi um instrumento muito poderoso de mudar inclusive a mentalidade da empresa, a área comercial toda. Eu diria, a Petrobras se lançar na área de distribuição de derivados, a Petrobras expandir a sua atuação no mercado externo se deveu muito ao diretor Shigeaki Ueki e ao presidente Ernesto Geisel na Presidência do Brasil - então a Petrobras teve condições de se expandir. E depois Shigeaki como ministro das Minas e Energia.


TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Realmente eu comecei na Petrobras em 58 e fiquei até 90, sempre na área comercial.

SUBSIDIÁRIA BRASPETRO/INTERBRAS

A Petrobras formou várias subsidiárias. A primeira dela foi a Braspetro, que é uma companhia que foi criada para atuar no mercado internacional - sobretudo na área de exploração e produção de petróleo. Ela começou inclusive na Colômbia, depois foi para o Iraque. A Braspetro inclusive foi responsável por descobrir um campo de petróleo gigantesco no Iraque chamado Majnoon, mais ou menos em 76, 77. Mas esse campo se situava - se situa até hoje - na fronteira do Irã-Iraque. Então a Petrobras acabou deixando de explorar esse petróleo lá -o que foi uma sorte. Logo depois que ela descobriu esse campo o governo do Iraque decidiu invadir o Irã, e o campo ficava na fronteira. Por ela ter negociado a saída ela recebeu uma compensação financeira e um contrato de longo prazo de petróleo. Mas depois da criação dessa subsidiária, a Braspetro - essa Braspetro era o braço internacional da Petrobras -, mas na década de 70.

A década de 70 foi quando os países produtores de petróleo, Arábia Saudita, Líbia, Iraque, todos eles - nesses países a produção de petróleo sempre foi efetivada através das multinacionais, pela Shell, a Esso, a Exxon-Mobil, a Chevron-Texaco é que produziam petróleo nesses países - a partir da década de 70 os Estados produtores passaram a nacionalizar a reserva de petróleo. Então foram nacionalizadas as reservas do Iraque, da Líbia, da Argélia. Foi quando a Petrobras também decidiu criar a Braspetro, porque se pensava: se der certo a gente teria condições de negociar com esses Estados produtores uma melhor condição de compra de petróleo. E a Braspetro iniciou esses entendimentos, e a partir desses entendimentos começaram a ser criados laços comerciais entre os países - na Argélia, na Líbia, no Iraque.

E a Braspetro, além de se dedicar a produzir petróleo no exterior, também criou um outro segmento, que se transformou na Interbras, que era comprar petróleo, mas vinculado à exportação de produtos brasileiros. Mais ou menos o seguinte: você faz um contrato de petróleo, mas 20% do valor da compra do petróleo é paga através de vendas de produtos brasileiros. Então foi feito isso com Iraque, com Argélia, com a Líbia. A Interbras nasceu justamente para utilizar o poder de barganha que a Petrobras tinha de comprar quantidades enormes de petróleo, e através disso vender produtos brasileiros tanto manufaturados quanto produtos agrícolas.

Embora eu seja suspeito para falar - porque praticamente eu seja o criador da Interbras - foi uma empresa de maior sucesso, porque de 73 até 1990, quando o governo resolveu acabar com a Interbras, foi uma escalada de sucesso. É uma empresa que não teve subsídio nenhum e sempre teve lucros crescentes e faturamentos crescentes e responsável por operações inéditas - foi o caso das vendas de carros Volkswagen para o Iraque, ligadas ao petróleo; venda da indústria de eletrodomésticos, sob uma marca única, que naquela época se chamava Tamar, então se vendeu eletrodoméstico para a Nigéria vinculado à compra de petróleo; vendeu-se quantidade substancial de açúcar e café para a Argélia, vinculada também à compra de petróleo. Então essa companhia, que se dedicou a um segmento do comércio exterior, impulsionou varias companhias aqui no Brasil e vários fabricantes para colocar produtos no exterior - e isso depois extrapolou.

Não só nos países produtores - a Interbras foi responsável pela colocação de soja no Japão; coisa inédita vender soja para o Japão. A Petrobras, houve uma geada fortíssima em 75, ela foi a responsável por levantar o preço de café, ela fez operações de café tanto na Bolsa quanto no mercado físico e conseguiu levantar o preço do café, tudo através dessa companhia, a Interbras. Ela surgiu em fevereiro de 73 e foi até - eu diria quando eu saí - março de 90.

Houve a época em que - mais ou menos naquela primeira crise, uma em 73, depois 74 - o Brasil não tinha como aumentar suas divisas, mas tinha que se manter comprando petróleo, e eu me lembro que houve uma época aí que eu fui a Brasília preocupado com o pagamento da compra de petróleo, que o governo já estava atrasando, e eu fui falar com o ministro da Fazenda na época, e ele disse: “Olha, precisa ter paciência, mas o Banco Central está com dificuldades pra fazer esses pagamentos”. Eu falei: “Como é que eu vou fazer, a Petrobras é responsável pelo monopólio”. “Vai para o Oriente Médio, vai negociar lá”. E realmente eu fui. E felizmente eu consegui que alguns contratos, que estabeleciam pagamentos de 30 dias, consegui que alguns deles passassem a ser pagos a 180 dias. Agora, tudo isso porque, porque foi uma política que a Petrobras adotou, pelo general Geisel, de fazer compras diretas desses países.

Eu me lembro de um episódio - o Iraque agora está na moda, mas o Iraque, na época, nacionalizou as companhias de petróleo, criou uma companhia de petróleo como a Petrobras e tinha que fazer uma primeira venda desse petróleo. Ainda eu diria que politicamente pertencia às companhias multinacionais, e fez uma oferta à Petrobras, e a Petrobras resolveu comprar, fazer um contrato de petróleo. Ao fazer esse contrato recebeu ações de várias companhias multinacionais que colocaram nos principais jornais do Brasil e do mundo dizendo que o petróleo que a Petrobras porventura fosse comprar não pertencia ao governo do Iraque, pertencia às companhias multinacionais.

Mas o presidente da Petrobras na época, que era o general Ernesto Geisel, não quis saber, e o navio veio ali na Baía da Guanabara, no terminal da Petrobras. E chegou o navio, já tinha lá os advogados todos das companhias multinacionais para poder pegar o petróleo, mas veio uma ordem do general Geisel dizendo que descarregasse assim mesmo, e foi descarregado. Então isso repercutiu - eu me lembro, naquela época isso repercutiu não só no Iraque, mas na Argélia, Líbia, como o Brasil, a Petrobras realmente era amiga dos países produtores. Então nessa época da crise, que foi 73, 74 quando o petróleo tinha o preço de 2,50 [dólares por barril], depois passou para 7,00 e depois não havia nem petróleo, houve sempre uma boa vontade dos produtores em não cortar o fornecimento da Petrobras.

RELAÇÕES DE TRABALHO

O Shigeaki Ueki, de ascendência japonesa, ele era um diretor muito ativo. Na época da crise de petróleo, em 73, 74, você tinha que estar permanentemente presente nos Estados produtores. Ficar aqui no Brasil não dava, ele nessa época era diretor - ainda não era presidente - e eu era superintendente da área comercial. Depois eu passei a ser vice-presidente da Interbras, e depois, quando eu passei a ser diretor da Petrobras, ele era presidente da Petrobras, então nas crises nós tivemos que marcar viagens no norte da África, Oriente Médio, Arábia Saudita, estivemos várias vezes, eu estive várias vezes com o ministro Yamany, da Arábia Saudita, que era um ministro poderoso naquela época.

Eu estava lembrando de uma das passagens muito engraçadas. O Shigeaki Ueki estava na Arábia Saudita, e eu estava em Paris e eu tinha programado com ele que tínhamos que ir à Líbia. Ia ter uma conversa lá com o ministro do petróleo da Líbia, e acontece que ele, como era o principal convidado - ele era o presidente, ele já era esperado -, o ministro do petróleo programou tudo para esperar o presidente Ueki na Líbia. Estava lá o ministro; o avião ia chegar depois da meia-noite e eu estava viajando, vindo de Paris. Acontece que o meu avião chegou primeiro que o dele; aí os líbios acharam que eu era o Shigeaki Ueki. Aí, quando eu cheguei, todas aquelas homenagens, que eram para ele, passaram pra mim.

Eu não entendi nada daquilo, no fim tinha lá o carro especial, o ministro, me levaram para o hotel. No fim, quando o Shigeaki chegou, não tinha praticamente ninguém no aeroporto. Agora, eu estou me lembrando de uma pessoa muito ligada à área de petróleo - trabalhava numa companhia de petróleo americana -, o nome dele era Júlio Iglesias, e era o mesmo nome do cantor. Uma vez chegamos no hotel: “O senhor é o Júlio Iglesias, o cantante?” Ele sempre dizia: “Não, eu sou o padre do cantante”. No caso do Shigeaki, é uma pessoa compreensiva, mas realmente esse tipo de coisa acontecia muito, porque era uma corrida contra o tempo.

RESPONSABILIDADE SOCIAL

O Pelé também é um outro caso muito interessante, porque a Interbras criou uma marca própria para vender eletrodomésticos para os países produtores de óleo chamada Tamar, e fizemos um contrato com o Pelé. Ele iria conosco para Nigéria, Lagos, e naquela época contratamos o time do Fluminense para ir junto com o Pelé. Quando nós chegamos no aeroporto, a gente olhou na janelinha do avião aquela multidão. Eu disse para o Pelé: “Acho que vão te trucidar aqui”.

Quando souberam que o Pelé - imagina o Pelé indo na Nigéria jogar futebol - tivemos que pedir ao piloto para requisitar força militar, senão eu e o Pelé não íamos descer e ficamos parados no aeroporto meia hora, até chegar a força militar. E ele só desembarcou depois que fez uma carreira de militares, porque queriam agarrar o Pelé. No jogo - ele foi jogar lá em Lagos - foi uma coisa terrível. Depois de estar lotado o estádio queriam entrar de qualquer maneira, tivemos que chamar o Exército e nós tínhamos combinado com o Pelé que ele tinha que colocar a camisa do Brasil e debaixo da camisa ele iria colocar a camisa do time nigeriano, porque com o chegar do segundo tempo ele iria tirar a camisa do Brasil e passar para o lado nigeriano.

Quando isso aconteceu, quase o estádio caiu, ele jogou 15 minutos ainda e acho que fez um gol para os nigerianos. Aí os outros governadores dos Estados da Nigéria, quando souberam que o Pelé estava lá, queriam de qualquer forma que ele fosse jogar em outras cidades. Tivemos que planejar a fuga do Pelé às 4 horas da manhã na maior clandestinidade, senão o Pelé ia ser trucidado. Nunca mais ele ia sair de lá, porque tinha que jogar em todas as cidades da Nigéria.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Da Interbras eu saí, depois virei diretor; depois de diretor eu fui presidente da Petrobras Distribuidora, e quando eu voltei para a Petrobras, como presidente, aí passei outra vez a ser presidente da Interbras. Mas como diretor na área comercial eu tive também momentos difíceis, porque nessa época, a época do famoso plano Cruzado, em 86, a Petrobras passou por períodos muito complicados. Porque a inflação era muito alta, para a gente conviver com a inflação. Ao mesmo tempo o governo não tinha condições de liberar preço de derivados.

E tinha outra circunstância: a Petrobras era fornecedora de combustível e óleo diesel praticamente de todos os órgãos estatais, da rede rodoviária, a parte toda elétrica, o setor elétrico, e esses órgãos nem sempre tinham condições de pagar todos os seus compromissos em dia. A Petrobras tinha que então arcar com todos esses compromissos -além de não ter o ressarcimento dos preços derivados, ainda tinha que ficar com esse ônus da dívida do governo. Foram períodos difíceis, que eu acho que chegaram ao ápice justamente nessa passagem de 89 a 90, quando eu me tornei presidente.

Foi nesse período, porque a inflação chegou a quase 90% ao mês; 90% ao mês é praticamente incontrolável, e nesse período tivemos que ter uma convivência com o governo, e também, entremeada nesse período, também a área toda sindical, a área toda tensionada. Também queriam aumento de salário - mas como queriam aumento de salário se a gente não tinha receita própria? Eu me lembro, um pouco pelo Ueki - que programação de greve em Cubatão, greve na Paulínia - tomou uma decisão que cada diretor tinha que cuidar de uma refinaria – eu, por exemplo, fui cuidar de Cubatão. Cubatão era a pior de todas elas: o que Cubatão fizesse praticamente as outras fariam, e eu fui designado para aplacar o ânimo dos trabalhadores lá de Cubatão.

Eu cheguei lá meia-noite e fui lá conversar com eles. Lá, 3 horas da manhã, todos querendo entrar em greve, eu me lembro que um operário olhou para a minha cara e disse: “Não posso acreditar! Diretor da Petrobras, é o senhor mesmo que está aqui, é o senhor mesmo. Você vai ter que me ajudar acabar com essa greve.” Felizmente conseguimos fazer o pessoal da época desistir da greve. Mas durante a minha passagem na Presidência realmente tinha problemas muito difíceis, eu posso entender o lado do trabalhador, que, realmente, vendo o salário sendo consumido, a inflação indo embora e a Petrobras sem condições de pagar, o único jeito foi esse, de participar, convocar.

Eu acho que fui o único presidente que venceu a greve, que convocava a diretoria para participar das reuniões no sindicato, tinha que defender a empresa lá no sindicato. Eu me lembro de uma vez, como presidente, que eu convoquei a reunião da diretoria para fazer a reunião inclusive numa refinaria. Quer dizer, toda a vez que a situação piorava, o jeito era interagir, porque senão a gente ia perder a guerra.. Minha chegada à Presidência da Petrobras foi num momento de crise, porque houve uma época, logo depois da saída do presidente Sarney, que a Petrobras teve três presidentes - cada um durava 3 meses. Eu lembro que antes de mim tinha dois - inclusive colegas meu de Petrobras -, um passou 3 meses, outro passou 2.

E quando assumiu a Petrobras, para Presidência, um foi Hélio Beltrão, depois foi o Ozires Silva. Depois do Ozires Silva vieram outros presidentes, mas assim a curto prazo, e o presidente Sarney resolveu me convidar para ser presidente da Petrobras - talvez me conhecesse através de amigos em comum. Me convidou para ser presidente, e eu aceitei o desafio e lá fiquei, inclusive com os problemas. Essa Braspetro, ela atuava na Colômbia, e um dos empregados da Braspetro foi seqüestrado, tivemos que lidar também com problema de seqüestro.

A Presidência da Petrobras foi um desafio - eu reconheço que um desafio estafante, chegou a um ponto, numa palestra que eu estava fazendo no Fundão, num estado de ansiedade tão grande, que no fim da palestra eu perdi a voz; não conseguia falar mais nada, o médico falou: “Claro, com essa tensão toda não há quem agüente”. Eu saí da Presidência porque não tinha condições de ficar na Presidência no próximo presidente, que era o Fernando Collor, então eu já tinha certeza que, terminada a Presidência Sarney eu ia sair, sairia de qualquer maneira, já tinha condições de me aposentar, já era praticamente aposentado.

APOSENTADORIA

Em 90 saí e fui cuidar da minha vida particular, trabalhei um período pequeno numa trading privada. Depois, junto com uns colegas meus, eu criei um escritório de consultoria e agora eu tenho um escritório de consultoria. Represento algumas empresas, mas sou eu e minha secretaria, Ourim Consultoria. Sediada no Rio de Janeiro, ainda tenho muito contato com a Petrobras, porque uma das empresas a que eu dou consultoria tem contato com a Petrobras.

É consultoria de derivados de petróleo, não é bem de trading, são companhias que atuam na Petrobras tanto na área de compra de petróleo como na área de produção e exploração. Quer dizer, é um trabalho de consultoria que não tem essa obrigatoriedade de estar o tempo todo, você pode fazer um trabalho mais tranqüilo.

IMAGENS DA PETROBRAS

Eu acho que a Petrobras é inquestionavelmente - além de ser a maior companhia do país - um instrumento poderoso do desenvolvimento do país, porque eu acho que foi através da Petrobras que sedimentou a indústria nacional. Quer dizer, a indústria nacional, a indústria ligada a bens de capital, nasceu a partir da Petrobras. Aquelas grandes companhias de São Paulo, foi a Petrobras que impulsionou essas companhias. Ainda agora ela continua vencendo a linha-mestra, ainda agora essa grande discussão se as plataformas devem ser construídas no exterior. A participação da Petrobras foi fundamental, então ela está muito bem.

Vamos construir essas plataformas, mas tem que haver a participação da indústria nacional, quer dizer, a Petrobras sempre foi, eu diria assim, um estímulo grande para o empresário nacional, e agora, como ela alargou o leque, que está em vários países do mundo, produzindo petróleo. E está agora na Argentina; hoje em dia a Petrobras é a principal companhia na Bolívia e está se tornando a maior companhia na Argentina depois que comprou uma linha poderosa chamada Perez Companc. Quer dizer, a presença da Petrobras hoje no mundo mostra realmente que ela se sedimentou como companhia. Eu acho que mesmo perdendo o monopólio, essa perda do monopólio foi até boa, porque ela pode mostrar que pode atuar sem o monopólio.

PRIVATIZAÇÃO

Eu acho que não há como, ela é tão poderosa que eu acho que nem teria algum grupo que poderia compra ou adquirir a Petrobras, eu acho que ela é uma companhia hoje tão ativa, apresentando resultados tão compensadores, que não justifica privatizar. É lógico privatizar quando um segmento é um segmento que não seja atuante, um segmento ineficiente, mas é um segmento que, ao contrário, tem uma presença forte no Brasil e no mundo. Não justifica privatizar.

APOSENTADORIA / CULTURA PETROBRAS

A minha perspectiva é ficar com a Ourim, no escritório lá em Ipanema, cuidar dos meus netos - tanto é que o meu escritório é lá na praça da Nossa Senhora da Paz, o meu apartamento é duas quadras depois, o apartamento de uma das minhas filhas é numa quadra e da outra é numa outra quadra... tudo no mesmo bloco ali, praticamente eu estou mais ligado à família mesmo, e vivendo os problemas da Petrobras através das amizades que eu tenho lá dentro, inclusive dos próprios diretores que atuam - alguns deles foram até meus empregados diretos, então, quer dizer, ao voltar para a família, ainda continuo vivenciando os problemas da Petrobras.

ENTREVISTA

Eu acho que uma volta ao passado realmente é boa, como se estivesse aqui no sensitive training revivendo o passado. Muita coisa importante que a gente criou e tem consciência que essas criações ainda estão aí - e tanto em termos de obras como em termo das pessoas. Eu vejo várias pessoas que trabalharam comigo hoje ocupando cargos importantes dentro da empresa, que conviveram comigo quando eles ainda estavam como empregados, então essa entrevista teve esse mérito. Independente de contar essa minha vida petrolífera, me fez relembrar amizades importantes dentro da empresa, eu que agradeço inclusive a entrevista.

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