Para especialistas, Belo Horizonte sofreria mais com uma tempestade como a que atingiu os EUA

O Furacão Sandy deixou um rastro de destruição na cidade. Milhares de casas ficaram sem energia elétrica, o fornecimento de água foi interrompido e o trânsito já caótico ficou ainda pior, com grande parte da população tentando fugir da capital. O maior impacto foi causado pelos ventos, que passaram dos 170km/h, destelharam casas, galpões e postos de gasolina. Centenas de árvores caíram em ruas e avenidas. A prefeitura considerou a situação “um desastre de grandes proporções”, depois que o Ribeirão Arrudas subiu três metros acima do seu leito. O sistema de emergência não funcionou.

É claro que a notícia acima é fictícia e mais parece um pesadelo – afinal, Belo Horizonte está longe de ser alvo dos furações, que nascem no oceano e atingem apenas as regiões litorâneas. Mas, se tal fenômeno ocorresse aqui e a capital dos mineiros se visse, de repente, atingida pela supertempestade Sandy, como ocorre na Costa Leste dos Estados Unidos, ela estaria preparada? “Lógico que não”, responde com veemência a arquiteta e urbanista Cláudia Pires, conselheira da regional do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/MG) e presidente da Comissão de Meio Ambiente da Sociedade Mineiros dos Engenheiros. “Estamos ainda num estágio primário. Não temos estrutura em obras para suportar uma situação dessas nem um sistema de emergência para evacuar a população ou mesmo abrigá-la”, diz a arquiteta.

O mundo está de olho na Costa Leste dos EUA, onde já morreram dezenas de pessoas nos últimos dias em decorrência do fenômeno. Ao ver as fotos no jornal e imagens na tevê, Cláudia Pires também se horroriza. “Já pensou? Tivemos um ‘vendavalzinho’ no ano passado e os efeitos foram desastrosos em Belo Horizonte. Inundações, desabrigados etc. Com ventos de mais de 170km/h, teríamos uma catástrofe”, afirma a arquiteta. Para ela, a capital ainda enfrenta de forma “provisória” as tempestades: “O sistema de prevenção em vigor contempla apenas vilas e favelas, não é abrangente para toda a cidade. Na realidade, é um monitoramento. Todo esse quadro nos permite dizer que BH não está preparada para calamidades. Tudo é muito frágil”, avalia a conselheira e ex-presidente do IAB/MG. Ela destaca o Bairro Buritis, na Região Oeste, com problemas geológicos e altamente suscetível às consequências do período chuvoso.

O professor de saneamento e hidráulica da PUC Minas José Magno Senra Fernandes, com mestrado em saneamento, meio ambiente e recursos hídricos e doutorado em epidemiologia, também acredita que BH não está pronta para tais fenômenos. “Se tivéssemos aqui, na época das chuvas que estão para começar, ventos na velocidade de 170km/h ou mais, estaríamos numa situação de calamidade pública. Então, só mesmo rezando”, resume. Ele explica que o grande impacto nessa situação decorre da força dos ventos.


O professor lembra que, na capital, as obras não são feitas “a tempo e a hora”. Morador de uma casa na Rua Professor Benedito Alves, no Bairro Belvedere, na Região Centro-Sul, José Magno conta que “não é de hoje”,há um talude perto da residência em total instabilidade. “A prefeitura esteve lá, plantou grama, mas não resolveu. Aí chegam as chuvas e os problemas se agravam”, afirma. Ele adianta que a PUC Minas está formando um grupo de professores para estudar os impactos ambientais das chuvas (erosões, deslizamentos etc.) na cidade.

O engenheiro sanitarista José Roberto Champs, ex-diretor da Sudecap, explica que o sistema de defesa civil de BH não está preparado para enfrentar uma situação de emergência como a do Sandy. “Uma catástrofe desse porte não seria suportada, pois não estamos acostumados a furacões e tufões, mas apenas as tempestades tropicais. Há seis anos Santa Catarina enfrentou um tufão, mas desde então não enfrentamos esse tipo de situação no país.” Segundo Champs, na capital há situações sistêmicas de alagamentos em determinados pontos, até mesmo pelo relevo da cidade, cujos estragos não se assemelham aos recentes ocorridos na Costa Leste do EUA.



Infraestrutura

“É impossível mensurar os efeitos que o Furacão Sandy causaria numa cidade como Belo Horizonte. Cada lugar no planeta sofre ameaças e tem sua vulnerabilidade. Como Minas está longe do mar, eventuais problemas na cidade, certamente, decorreriam da força dos ventos. “Em grande velocidade, provocariam estragos, entre eles o destelhamento das casas, destruição da cobertura de postos de gasolina e queda de árvores (na cidade há cerca de 350 mil delas), diz o coordenador municipal da Defesa Civil (Comdec), coronel Alexandre Lucas, que atuou na Força de Reconstrução do Haiti, em 2010, depois que o terremoto destruiu o país da América Central.

“Nenhum país, por mais desenvolvido que seja, está livre dos desastres naturais. Os nossos problemas são muito diferentes dos Estados Unidos e América Central. Aqui temos enchentes e deslizamentos”, afirma. Mesmo com a diferenças geológicas e meteorológicas, o coronel Lucas sustenta que “a cada ano, estamos mais preparados” para enfrentar os fenômenos naturais. Na cidade, há 56 estações hidrometeorológicas (medição do nível dos rios) e um radar meteorológico. “Só perdemos para os EUA em recursos e equipamentos”, explica.

Mas há falhas, reconhece. A maior delas está na falta de obras de infraestrutura preventiva e na ocupação irregular de áreas. “A população também deve colaborar, não jogando lixo nas ruas e bueiros e fazendo a manutenção das casas”, alerta.

Emergência

Em qualquer situação de emergência, as autoridades devem estar atenta a questões importantes para a população, como fornecimento de água e energia, alimentação, acesso a remédios, médicos e hospitais e prestação de primeiros socorros. Quem dita este verdadeiro manual é o tenente-coronel Edgard Estevo da Silva, do Corpo de Bombeiros, que fez curso de gerenciamento de risco de desastre no Japão, incluindo cidades como Kobe, destruída por um terremoto.

O tenente-coronel explica que há duas questões fundamentais nesses momentos dramáticos que são os serviços de emergência e as estruturas. “A nossa cidade não foi construída para suportar fenômenos próximos de um furação ou um terremoto, ao contrário do Japão. Mas os serviços de emergência devem funcionar para chuvas, enxurradas, soterramentos e outros”, diz o militar.

Os nossos desastres

Desde 1928, BH já enfrentou mais de 200 inundações, a maioria por transbordamento do Ribeirão Arrudas, segundo o engenheiro sanitarista José Roberto Champs, ex-diretor da Sudecap.

– 1923: A primeira grande inundação em toda a Bacia do Ribeirão Arrudas.
– 1977: Em 12 dezembro, chuva matou nove pessoas, feriu 17 e deixou BH isolada. No início do ano, 915 pessoas ficaram desabrigadas em desabamento no Salgado Filho.
– 1979: Em 7 de janeiro, comportas da Pampulha foram abertas e deixou milhares de sabrigados.
– 1983: Cidade viveu uma das suas maiores tragédias, na favela Sovaco de Cobra, com 55 mortos. No fim de um mês, o número de mortos chegava a 70.
– 1997: Em janeiro, são registrados 66 mortos no estado, sendo 29 na Grande BH por temporais.
– 2003: Chuva em16 de janeiro mata 20 pessoas em BH e causa destruição nos aglomerados do Morro das Pedras, Cafezal e Taquaril. No Morro das Pedras, 11 pessoas da mesma família foram soterradas, morrendo nove crianças e adolescentes.
– 2008/2009: Temporal na virada do ano na Grande BH castigou as regiões do Barreiro e Oeste e três pessoas morreram.
– 2011: Em dezembro, cidade enfrentou uma série de transtornos, sobretudo com inundação do Córrego Pampulha.

Fonte: Estado de Minas





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